Zoóloga
do Bosque dos Jequitibás não pensa duas vezes antes de cancelar compromisso
pessoal para cuidar de um animal que precise
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Eliana: "Acredito que o animal, quando não está bom ou não se sente bem,
demonstra que não é para mexer com ele. Já as pessoas mentem, traem, são falsas.
Eu me decepciono com o ser humano todo dia. Nenhum bicho, nesses 18 anos, me
decepcionou"
Foto: Cedoc
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Jamais
coloque a zoóloga Eliana Ferraz numa situação em que ela tenha que escolher
entre um compromisso pessoal e seu trabalho. A carreira sempre vencerá a
disputa. “As pessoas me cobram muito e eu tento conciliar as atividades
profissionais com a convivência com a família, mas sou feliz assim”, garante.
São 26 anos de dedicação ao serviço público campineiro, 18 deles vividos no
Bosque dos Jequitibás. É lá que ela se sente em casa, junto dos animais que
tanto ama. “Normalmente, fico entre 10 e 12 horas no trabalho. Minha profissão
faz criar vínculos com os animais”, explica.
No
cargo de coordenadora do bosque, Eliana assume também a função de amiga dos
bichos. “É um desafio deixar os compromissos pessoais de lado e, mesmo depois
do expediente, sair para resgatar ou cuidar de um animal que está precisando. É
preciso optar, mas faz parte”, avalia.
Metrópole – Você sempre gostou de animais?
Eliana Ferraz – Sim. Na infância, aos finais de semana, pedia para meus pais me
levarem para passear na Lagoa do Taquaral e no Bosque dos Jequitibás.
Sua carreira na Prefeitura começou
direto no Bosque?
Não.
Comecei na Biblioteca Municipal, na época em que entrei na faculdade. Fui
trabalhar, justamente, para pagar os estudos. Meu sonho era lidar com animais,
mas nunca imaginei que seria na Prefeitura. Foi um presente de Deus quando fui
transferida para o Bosque dos Jequitibás como funcionária pública.
Como é sua rotina?
Normalmente,
fico entre 10 e 12 horas no trabalho. Minha profissão faz criar vínculos com os
animais. Tem bicho que chega recém-nascido e necessita de muitos cuidados.
Então, às vezes, é preciso até levar para casa. Uma ave quando bebê, por
exemplo, deve ser alimentada a cada meia hora. Senão, ela perde energia e
morre. Trabalhar com bichos é como ter filhos. E eu faço isso com prazer e
muito amor.
Com tantas horas dedicadas ao trabalho,
é possível ter vida pessoal?
As
pessoas me cobram muito e eu tento conciliar as atividades profissionais com a
convivência com a família, mas sou feliz assim. Já tive namorado que cobrou
muito, mas não tem jeito. As pessoas têm que me aceitar assim porque isso faz
parte da minha vida. Têm que entender que é meu trabalho e que ele é tão
importante quanto ficar com meus parentes. Não dá para separar. Pode ser um
defeito meu, mas não consigo.
Impossível, então, fazer você escolher
entre o Bosque e qualquer outra coisa?
Sim. Porque a resposta será sempre o Bosque dos Jequitibás. Já me fizeram
escolher e nem preciso dizer qual foi a resposta, né?
Além de cuidar dos que moram no parque,
vocês também recebe outros animais?
O Bosque tem hoje 300 animais, entre 42 espécies de aves, 25 de mamíferos e 15
de répteis. Ele não é um centro de triagem, não tem essa função. Mas recebemos,
sim, alguns exemplares, principalmente aqueles que são vítimas de tráfico,
atropelamento, cerol, maus-tratos, tempestades e os órfãos. Eles chegam por
meio de autoridades como o Corpo de Bombeiros, a Polícia Militar, a Guarda
Municipal e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais
Renováveis (Ibama). Muitas vezes, damos apoio a operações do instituto e
mantemos aqui por algum tempo os que foram resgatados. No entanto, não podemos
atender a doações de munícipes. Não é possível uma pessoa ligar aqui querendo
doar o papagaio, o jabuti ou outro bicho que não queira mais.
Qual o maior desafio em seu trabalho?
O
manejo do Bosque é uma tarefa que realizamos bem, mas não existe um dia como o
outro. Às vezes, o dia está tranquilo e, no final do expediente, ligam dizendo
que um animal foi encontrado com algum problema. O desafio é então deixar os
compromissos pessoais de lado e, mesmo depois do expediente, sair para resgatar
ou cuidar de um bicho que está precisando. Imagine que outro dia eu estava indo
para casa e chegaram até mim filhotes de pica-pau que caíram do ninho, ainda de
olhos fechados. Se eu não cuidasse deles naquele momento, preparasse a
alimentação, levasse para casa, ficasse com eles e esquecesse meus
compromissos, eles não sobreviveriam. É preciso optar, mas faz parte.
Você fala bastante em filhotes...
Prefere cuidar dos pequenos?
Eu
adoro cuidar de filhotes, porque é possível acompanhar de perto a evolução
deles. Desde quando chegam, muitas vezes mutilados, com sequelas ou sem comer,
vamos cuidando dia após dia e vendo a melhora deles.
Qual animal te dá mais trabalho?
Gente.
Acredito que o animal, quando não está bom ou não se sente bem, demonstra que
não é para mexer com ele. Já as pessoas mentem, traem, são falsas. Eu me
decepciono com o ser humano todo dia. Nenhum bicho, nesses 18 anos, me
decepcionou.
Quais seus objetivos no Bosque?
Que
os animais sejam felizes. Por mais que eu adore ter contato com os bichos que
criei desde pequenos, tenho a consciência de que eles precisam ter contato com
indivíduos da espécie, formar famílias e se reproduzir. Claro que esses bichos
são humanizados, porque tiveram contato com o homem, mas, mesmo com essa
intervenção, trabalho para que eles sejam apenas animais. E também acredito na
importância do zoológico. Sei que há pessoas que não gostam e respeito as
opiniões. Mas, se eu não acreditasse no meu trabalho, no veterinário que
trabalha comigo, não estaria aqui. A função do zoológico não é somente promover
lazer, mas também servir para conservação de espécies, pesquisa, reprodução, recolocação
no habitat e educação ambiental. Recentemente, tivemos uma grande obra no lago,
que foi revitalizado e canalizado. Estamos novamente prontos para receber
visitas.
Que orientação você dá a quem vai
visitar o local?
Que
não jogue nada para os animais. Perdemos muitos bichos por causa da ingestão de
corpos estranhos, como sacos de pipoca. O bosque é um lugar para tirar fotos e
aproveitar, não para colocar os animais em risco.
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